A Inteligência Artificial inaugura um novo capítulo na história. Mas como fica o trabalho humano?
Desde os tempos de Eugene Fama e sua provocadora “Hipótese dos Mercados Eficientes”, muito se discutiu sobre a capacidade que os mercados têm de incorporar, de forma imediata e plena, todas as informações disponíveis nos preços dos ativos. Para muitos, a ideia parecia mais um ideal platônico do que uma descrição realista da natureza dos mercados. Afinal, quem nunca viu uma ação subir ou cair de forma irracional, embalando-se em rumores infundados ou pânicos coletivos?
Durante décadas, a teoria sofreu críticas severas. A própria realidade se encarregava de mostrar seus limites: bolhas, crashes, modas passageiras, ciclos de euforia e pânico. As finanças comportamentais ganharam espaço justamente ao demonstrar, com evidência empírica e rigor analítico, como os vieses cognitivos e emocionais desviavam o investidor médio da racionalidade suposta por Fama. Parecia claro: os mercados eram falhos, humanos demais, voláteis demais para serem “eficientes”.
Mas eis que, como um novo capítulo de uma velha história, surge a inteligência artificial.
Num mundo onde algoritmos consomem dados em tempo real, aprendem com padrões passados e se adaptam com uma velocidade que nenhum ser humano pode acompanhar, a pergunta volta com força renovada: e se a hipótese de eficiência de mercado estiver finalmente prestes a se tornar realidade?
Hoje, grandes fundos quantitativos, plataformas de negociação de alta frequência e robôs de análise textual processam milhões de dados por segundo — desde balanços financeiros e indicadores macroeconômicos até tweets, manchetes e relatórios de meteorologia. A IA não dorme, não hesita, não se emociona. A cada nova informação relevante, ela recalibra preços com precisão quase cirúrgica. A cada microssegundo, a máquina se aproxima mais daquele ideal que os seres humanos, sozinhos, nunca conseguiram atingir.
Nesse cenário, o preço de um ativo parece já carregar em si, de forma quase imediata, tudo aquilo que o mundo sabe naquele momento. A velocidade de propagação da informação virou instantaneidade. A inteligência coletiva deu lugar à inteligência conectada — e a hipótese de eficiência de mercado, tantas vezes dada como morta, parece respirar novamente com pulmões de silício.
Mas será que isso significa o fim do trabalho humano? O que acontece com o papel do assessor de investimentos nesse novo mundo, onde as máquinas parecem pensar melhor, mais rápido e com mais precisão?
A resposta, ironicamente, é que o humano continua essencial — talvez mais do que nunca.
Primeiramente, mesmo em um mercado que beira a eficiência, permanece válido o princípio central da hipótese de Fama: o retorno de longo prazo vem do risco assumido. Isso significa que, mesmo com preços eficientes, ainda haverá prêmios de risco — e, portanto, ainda faz sentido diversificar. Ativos com maior risco sistemático continuarão oferecendo retornos esperados maiores, justamente como compensação por essa exposição. Assim, o papel de orientar alocações com base em objetivos, prazos e tolerância ao risco segue sendo indispensável.
Além disso, os mercados podem ser eficientes na média, mas a vida dos investidores acontece no tempo real e no plano individual. E nesse plano, as emoções falam alto. Quando o mercado cai 20% em uma semana, o investidor não consulta um paper acadêmico — ele consulta seu medo. Quando a bolsa sobe 40% em seis meses, ele não busca uma análise de valuation — ele busca seu desejo. Entre o medo de perder tudo e a ganância de ganhar mais, é fácil desviar da rota traçada.
É aí que entra o trabalho mais nobre do assessor de investimentos: não apenas montar carteiras diversificadas e bem especificadas, mas também ajudar o cliente a permanecer fiel a elas. Ser ponte entre a razão e a emoção. Entre o plano e a ação.
Porque mesmo com IA ajustando preços em tempo real, o comportamento humano continua sendo um fator de risco — talvez o mais relevante deles. A pandemia nos mostrou isso. A guerra, os choques políticos, os episódios inesperados da vida coletiva nos lembram que há eventos imponderáveis que, por mais que as máquinas tentem, não cabem em nenhum modelo. E quando esses eventos chegam, o mercado reage com volatilidade — eficiente ou não, ele continua oscilando. E é nas oscilações que muitos investidores se perdem.
Além disso, a IA, por mais avançada que seja, não conhece o coração humano. Não entende as nuances dos objetivos de vida, dos sonhos de uma aposentadoria tranquila, de um filho que nasce, de uma empresa que se vende, de um luto que se vive. Ela não conhece o silêncio de quem perdeu dinheiro nem o suspiro de alívio de quem conseguiu realizar um objetivo. Ela não toma café com o investidor, não liga em momentos difíceis, não sabe acolher.
Talvez a inteligência artificial nos ajude a ter mercados mais precisos. Mas a inteligência emocional ainda será o farol que guia a jornada de cada investidor. E é aqui que o papel do assessor se transforma: de um simples “escolhedor de ativos” para um verdadeiro arquiteto de tranquilidade financeira. Um educador, um psicólogo, um guardião do plano.
As finanças comportamentais, longe de perderem espaço, tornam-se ainda mais importantes. Afinal, quanto mais eficiente for o mercado, menos espaço haverá para estratégias oportunistas — e maior será a responsabilidade de conduzir bem o comportamento de quem investe.
Estamos diante de uma revolução, é verdade. Mas nem toda revolução exige substituição. Algumas pedem transformação.
O assessor que se reinventa, que se posiciona como parceiro e não como corretor, que entende o impacto das emoções nos retornos de longo prazo, que sabe traduzir os dados em decisões — esse seguirá sendo não apenas útil, mas essencial.
A inteligência artificial poderá até precificar o mundo. Mas não saberá sonhá-lo.
E no fim das contas, é isso que o dinheiro busca: a realização de sonhos, a construção de futuros, o cuidado com o presente. E enquanto houver alguém que sonha, haverá espaço para alguém que o ajude a investir bem.
Porque, por mais que os algoritmos corram com a luz da informação, ainda é o coração humano que define o caminho da jornada.