Diretamente de Roma, Martin Iglesias traz reflexões históricas sobre o controle de preços – e o que podemos aprender com elas.
Estou em Roma aproveitando o feriado de carnaval e, ao invés de curtir uns dias no litoral, encontrei na cidade eterna uma oportunidade única de mergulhar em algo que, para mim, é tão interessante quanto a água do mar: a história econômica.
Como professor de Finanças e Economia Comportamental, me sinto atraído pela forma como as antigas civilizações lidavam com os mesmos problemas econômicos que ainda enfrentamos hoje. E nada melhor do que Roma para entender um dos mais emblemáticos casos de inflação na história.
Passei a manhã caminhando pelo Fórum Romano, refletindo sobre a grandiosidade do Império, e como seus economistas e políticos — mesmo sem as ferramentas modernas que temos hoje — lidaram com as complexidades econômicas. Um dos maiores desafios que o Império enfrentou, especialmente no século III d.C., foi a inflação: um fenômeno que, como veremos, tem mais em comum com nossos dias do que poderíamos imaginar.
Gastos públicos: o início da crise
A crise econômica romana no século III foi, em grande parte, um reflexo dos excessivos gastos públicos. O Império estava em uma constante guerra, enfrentando múltiplas ameaças nas fronteiras, tanto de povos bárbaros quanto de dissidências internas. Para financiar suas campanhas militares, Roma gastava cada vez mais, o que sobrecarregava o erário público. A pressão para sustentar os exércitos e manter o Império coeso levou a uma política fiscal agressiva, que não se sustentava com a arrecadação de impostos sozinha. Como resultado, o governo romano começou a recorrer a medidas mais arriscadas para sustentar seus gastos.
Em um momento de extrema necessidade, o Império passou a depender da emissão de moeda como forma de financiar seus déficits. Porém, essa emissão não era acompanhada de um aumento correspondente na produção de bens e serviços. Em vez disso, a impressão de moedas foi realizada à custa da qualidade do metal utilizado. Essa foi a chave para o processo inflacionário que devastou a economia romana no período.
Emissão de moeda e a desvalorização
Com os gastos públicos disparando, o governo romano começou a cunhar moedas com menos metal precioso, especialmente a prata que compunha o denário, a principal moeda do Império. No início, um denário era feito com cerca de 90% de prata, mas com o tempo, esse conteúdo foi reduzido progressivamente, até que, no auge da crise, as moedas tinham menos de 10% de prata e eram compostas principalmente por cobre ou outros metais de menor valor.
Isso gerou uma desvalorização brutal da moeda romana. O resultado imediato foi o aumento generalizado dos preços, e o poder de compra dos cidadãos caiu vertiginosamente. O mercado não tinha mais confiança na moeda, e os preços de produtos essenciais, de alimentos a bens de luxo, começaram a subir de forma incontrolável. A inflação era inevitável, pois o valor das moedas que circulavam no Império estava cada vez mais distante de seu valor real.
Tentativas de contenção e os efeitos colaterais
Diante desse cenário, o imperador Diocleciano, que subiu ao poder em 284 d.C., procurou implementar medidas para conter a inflação. Seu esforço mais notável foi o Édito de Preços Máximos, que foi promulgado em 301 d.C. Nele, Diocleciano tentou estabelecer limites para os preços de uma série de bens essenciais, incluindo alimentos, vestuário e mão de obra, na tentativa de controlar a escalada dos preços e restaurar a estabilidade econômica.
No entanto, a medida teve um efeito colateral inesperado. Ao fixar os preços abaixo do que os produtores consideravam razoável, a oferta de muitos bens começou a encolher. Comerciantes e agricultores passaram a se recusar a vender por esses preços limitados, o que gerou escassez. O mercado informal floresceu, e as transações passaram a ser feitas por preços muito acima dos estipulados pelo édito (o famoso ágio), o que acabou não resolvendo o problema da inflação, mas apenas o deslocando para o mercado paralelo.
Essa situação nos ensina uma lição valiosa, que ecoa até hoje: o controle de preços sem levar em consideração a dinâmica da oferta e da demanda pode ter efeitos desastrosos. A intervenção direta no mercado, sem uma base sólida para sustentar essas mudanças, tende a piorar a situação, criando escassez onde antes havia abundância.
O legado romano e o que podemos aprender
O que mais me impressiona em toda essa história, ao caminhar por Roma, é a atemporalidade dos problemas econômicos. O Império Romano enfrentou uma inflação descontrolada, os efeitos de uma moeda desvalorizada e os riscos de um excesso de gastos públicos, problemas que ainda enfrentamos em várias economias modernas. A lição de Roma é clara: a gestão financeira responsável, a manutenção de uma moeda estável e a prudência nas políticas fiscais são fundamentais para evitar crises econômicas.
Enquanto reflito sobre esses temas, me dirijo agora a um restaurante local. Como todo bom visitante, vou me deliciar com um spaghetti alla carbonara (nada mais típico daqui), acompanhado de um bicchiere di vino rosso. Mas, ao contrário de Roma Antiga, entendo que nossa inflação não é nem será tão alta quanto a deles foi.
Que a história de Roma sirva de alerta para que possamos evitar os erros do passado e manter nossa economia em equilíbrio — tanto quanto possível.
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