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Macroscópio: O quão segura é a dívida americana?

09 de outubro, 2025 Por: Fernando Gonçalves - Superintendente de Pesquisa Econômica do Itaú BBA

Entenda como ficam os Títulos do Tesouro Americano na coluna Macroscópio de hoje

 

Houve forte crescimento recente da dívida pública dos EUA…
A dívida líquida do governo americano está em torno de 100% do PIB. Apesar desse nível elevado, investidores locais e estrangeiros seguem demandando os títulos públicos americanos, mesmo que a juros mais elevados recentemente.

A dinâmica da dívida americana foi particularmente impulsionada pelas reações fortes a choques econômicos relevantes: a pandemia de Covid-19 elevou a dívida em cerca de 15% do PIB, enquanto a grande crise financeira de 2008-2009 a aumentou em aproximadamente 30% do PIB.

…mas a demanda por Treasuries seguiu firme
Enquanto, por esses e outros motivos, a dívida americana crescia nos últimos anos, a demanda por títulos públicos americanos seguiu firme. A percepção, que parecia inabalável, era de que seguiam sendo ativos muito seguros em um mundo com muitos riscos.

Parte dessa percepção de que Treasuries são ativos livres de risco, mesmo diante de um quadro de dívida elevada nos EUA, decorreu de uma visão benigna sobre a trajetória futura de endividamento. E essa visão benigna era calcada numa avaliação de que os juros americanos permaneceriam em níveis extremamente baixos de forma contínua.

Mas de onde veio essa ideia? A influente teoria da estagnação secular, defendida pelo ex-secretário do Tesouro americano, Larry Summers, argumentava que a falta de oportunidade de investimentos nos EUA implicava uma demanda fraca em relação à poupança, o que levaria a juros baixos indefinidamente.

A Summers se somaram economistas renomados, como Paul Krugman e Olivier Blanchard, que passaram a argumentar que as taxas de juros permanentemente baixas, decorrentes da estagnação secular, tornavam seguro o uso agressivo da política fiscal e o endividamento mais elevado do governo.

O fim da era de juros baixos e a nova aposta no crescimento
Obviamente, a revolução em curso da inteligência artificial coloca um forte questionamento nessa argumentação. Ela implica que a demanda por energia e infraestrutura adiante é muito relevante e disputará recursos privados com os títulos do governo americano. O resultado é uma taxa básica de juros de equilíbrio mais elevada e que dificilmente retornará para os níveis baixíssimos observados até recentemente.

Isso, no entanto, não necessariamente mudou a visão dos defensores do uso mais extensivo do endividamento público. O argumento passou a ser de que a revolução da IA elevará a produtividade e, assim, o crescimento de longo prazo nos EUA, de modo a compensar os juros mais elevados na dinâmica da dívida pública.

Essa aposta em mais crescimento futuro pode ou não estar correta, mas é evidentemente um tanto arriscada diante das disrupturas que as novas tecnologias de IA terão no mercado de trabalho e os custos envolvidos em lidar com esse tema. Choques futuros também não devem ser ignorados: guerra cibernética, crise climática, conflitos militares, crises financeiras, pandemias, dentre outros temas, tem chance não desprezível de onerar de forma não esperada o orçamento público nos próximos anos.

Crise de dívida nos EUA?
Diante desse contexto, como seria uma crise de dívida nos EUA? O simples não pagamento da dívida parece, se não impossível, pouco provável. Afinal, o privilégio americano de ter o monopólio da impressão de dólares, sugere que o caminho de menor resistência seria via inflação.

A solução inflacionária, no entanto, não é facilmente implementável. É verdade que Trump, que tem sido um crítico costumaz do atual presidente do BC, Jerome Powell, terá oportunidade de substituí-lo em maio 2026 quando seu mandato termina. Em tese, essa seria uma oportunidade de colocar um líder no Fed que fosse menos preocupado com a inflação do que com a atividade econômica. Mas vale lembrar que FOMC, comitê de política monetária do país, tem 12 membros cujo trabalho técnico não facilmente endossaria esse possível viés inflacionário do futuro presidente do BC americano.

Além disso, cabe destacar que o governo americano nos últimos anos encurtou sua dívida para aproveitar as taxas de juros ultra baixas, percebidas então como perenes com base na teoria de estagnação secular. Em seu livro recente, Kenneth Rogoff,* professor de economia em Harvard, descreveu essa decisão como um grande erro que custará enormemente ao contribuinte americano.

Além dos custos, o encurtamento da dívida americana implica ainda que surpresas inflacionárias corroem menos a dívida americana, que precisaria ser rolada em curto espaço de tempo a taxas de juros mais elevadas. Nesse contexto, a única forma de garantir a corrosão inflacionária da dívida seria por repressão financeira. Uma forma de fazê-lo seria criar um mercado cativo para Treasuries no setor financeiro – isto é, em bancos, fundos de pensão, seguradoras e no BC americano.

Afinal, os títulos do governo americano ainda são ativos livres de risco?
A resposta é que não e, na verdade, nunca foram 100% livres de risco. Apesar do privilégio exorbitante de imprimir a moeda que é a principal reserva de valor do mundo, isso não significa que detentores de títulos do Tesouro americano estão imunes a default.

Perdas significativas ocorreram em pelo menos três episódios: (1) no período pós-Segunda Guerra Mundial, quando juros foram mantidos artificialmente baixos por uma colaboração entre Fed e Tesouro (repressão financeira), que resultou em inflação alta, (2) durante a Grande Inflação dos anos 1970, com expansões fiscal e monetária que resultaram em inflação de dois dígitos e (3) com o choque inflacionário em 2021-2022, decorrente da pandemia de Covid-19 e suas respostas.

Nos três casos houve forte perda real para os detentores de títulos públicos americanos, decorrente de repressão financeira ou inflação inesperada ou dos dois.

O risco crescente e suas consequências
É evidente que para avaliar o quão arriscada é a dívida americana é preciso monitorar a política fiscal (que tem sido invariavelmente expansionista nos últimos anos) e riscos de choques que exijam mais gastos. Mas, como vimos, também é fundamental monitorar ameaças à credibilidade do BC americano e políticas de repressão financeira, já que estas podem levar a um default camuflado da dívida americana.

A dívida elevada e com dinâmica piorada por juros mais altos, juntamente com as constantes ameaças à independência do BC mostram que o risco para detentores destes títulos vem aumentando. Uma consequência natural é uma realocação dos portfólios globais, ora em curso, para ativos fora dos EUA, o que tem como consequência o enfraquecimento do dólar, como temos visto.

A chance de reversão dessas tendências é proporcional às chances de austeridade fiscal e de menor intervencionismo nas instituições americanas (especialmente no Fed) – chances essas que parecem bastante baixas no momento.

*Kenneth Rogoff, 2025, “Our Dollar, Your Problem”, Yale University Press.

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